
foto-repórter Estadão

Diz o dito popular: depois da tempestade vem a bonança. No dicionário, bonança vem a ser o estado do mar quando o tempo favorece a navegação. Em sentido figurado, tranquilidade, ventura, felicidade. Parou por aí. Ninguém é feliz quando sua aldeia se desintegra sob as águas que caem a cântaros do céu. A inclemência não poupou nem a festa de aniversário da cidade. Na missa da catedral, rezaram pela alma de 59 que se foram. No dia seguinte já eram 63 no Estado. Idosos, crianças levadas pelo aguaceiro. Pessoas soterradas enquanto dormiam ou protegiam o pouco que tinham. Não dá pra ser feliz numa cidade ilegal, que avançou sobre suas represas e reservas de mata. Que escondeu seus córregos, vergonhosos sorvedouros dos esgotos. Os poucos, a céu aberto, perderam seus cílios. Protetores naturais da avalanche de terra e areia arrastadas para os leitos dos principais rios da cidade.Culpar os governantes seria fácil, na falta de investimentos em obras de macrodrenagem. Mas no Brasil, tudo é urgência. Políticos tem culpa sim. Quando mudam o código de obras, permitindo mais adensamento em bairros já saturados. Cada casarão - e seu quintal cheio de árvores - que desaparece para surgir um novo prédio tem um custo para a cidade. Seja na fase da obra, seja depois, no impacto de vizinhança ou no trânsito local. Pagamos a conta. Os que não podem pagar são jogados para longe, as periferias, áreas de risco. Sem
recursos, pagam com a vida os erros acumulados de muitas gestões, de omissões criminosas. Depois que a voçoroca arrasta o barraco, levando bens e vidas, não adianta a municipalidade dar abrigo ou vale aluguel por um ano. Um dia a chuva vai parar, mas até lá, enchente vai ser o assunto. Quem sabe uma linha de crédito especial para cidades arrasadas? Um PAC para enchentes, como cutucou nosso líder... Todos unidos no mesmo palanque. Comovidos na desgraça. Jogo de cena. Um dia a chuva vai embora, e as promessas são esquecidas. O povo embolsa o vale aluguel e volta - por debaixo do pano - para o mesmo lugar que morava. Na beira do córrego, debaixo do barranco, em meio ao lixo- migalhas da cidade. Mas o que faz tanta gente morar mal, longe, gastar tempo e dinheiro num transporte indecente? Sair como formigas dos rincões para trabalhar ou estudar em São Paulo? Li na Revista da Folha que o paulistano reclama do trânsito, mas não desgarra do carro. Aqui é o lugar. Por fim, Gaston Bachelard, o filósofo, em A Psicanálise do Fogo, nos ajuda entender um pouco deste paradoxo de amor e ódio pela metrópole: "A conquista do supérfluo produz uma excitação espiritual maior que a conquista do necessário.O homem é uma criação do desejo, não uma criação da necessidade". Saudações machadianas!
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