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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A chuva de cada dia








foto-repórter Estadão 

Diz o dito popular: depois da tempestade vem a bonança. No dicionário,  bonança vem a ser o estado do mar quando o tempo favorece a navegação. Em sentido figurado, tranquilidade, ventura, felicidade. Parou por aí. Ninguém é feliz quando sua aldeia se desintegra sob as águas que caem a cântaros do céu. A inclemência não poupou nem a festa de aniversário da cidade. Na missa da catedral,  rezaram pela alma de 59 que se foram. No dia seguinte já eram 63 no Estado. Idosos, crianças levadas pelo aguaceiro. Pessoas soterradas enquanto dormiam ou protegiam o pouco que tinham. Não dá pra ser feliz numa cidade ilegal, que avançou sobre suas represas e reservas de mata. Que escondeu seus córregos, vergonhosos sorvedouros dos esgotos. Os poucos,  a céu aberto, perderam seus cílios. Protetores naturais da avalanche de terra e areia arrastadas para os leitos dos principais rios da cidade.Culpar os governantes seria fácil, na falta de investimentos em obras de macrodrenagem. Mas no Brasil,  tudo é urgência. Políticos tem culpa sim. Quando  mudam o código de obras, permitindo mais adensamento em bairros já saturados.  Cada casarão - e seu quintal cheio de árvores - que desaparece para surgir um novo prédio tem um custo para a cidade. Seja na fase da obra, seja depois, no impacto de vizinhança ou no trânsito local. Pagamos a conta. Os que não podem pagar são jogados para longe, as periferias,  áreas de risco. Sem
 recursos, pagam com a vida os erros acumulados de muitas gestões, de omissões criminosas. Depois que a voçoroca arrasta o barraco, levando bens e vidas, não adianta a municipalidade dar abrigo ou vale aluguel por um ano. Um dia a chuva vai parar, mas até lá, enchente vai ser o assunto. Quem sabe uma  linha de crédito especial para cidades arrasadas? Um PAC para enchentes, como cutucou nosso líder... Todos unidos no mesmo palanque. Comovidos na desgraça. Jogo de cena. Um dia a chuva vai embora, e as promessas são esquecidas. O povo embolsa o vale aluguel e volta - por debaixo do pano - para o mesmo lugar que morava. Na beira do córrego, debaixo do barranco, em meio ao lixo- migalhas da cidade. Mas o que faz tanta gente morar mal, longe, gastar tempo e dinheiro num transporte indecente? Sair como formigas dos rincões para trabalhar ou estudar em São Paulo? Li na Revista da Folha que o paulistano reclama do trânsito, mas não desgarra do carro. Aqui é o lugar. Por fim,  Gaston Bachelard, o filósofo, em A Psicanálise do Fogo, nos ajuda entender um pouco deste paradoxo de amor e ódio pela metrópole: "A conquista do supérfluo produz uma excitação  espiritual maior que a conquista do necessário.O homem é uma criação do desejo, não  uma criação da necessidade". Saudações machadianas!



















segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A vida bate, por Ferreira Gullar

A vida bate
Não se trata do poema e sim do homem
e sua vida
- a mentida, a ferida, a consentida
vida já ganha e já perdida e ganha
outra vez.
Não se trata do poema e sim da fome
de vida,
o sôfrego pulsar entre constelações
e embrulhos, entre engulhos.
Alguns viajam, vão
a Nova York, a Santiago
do Chile. Outros ficam
mesmo na Rua da Alfândega, detrás
de balcões e de guichês.
Todos te buscam, facho
de vida, escuro e claro,
que é mais que a água na grama
que o banho no mar, que o beijo
na boca, mais
que a paixão na cama.
Todos te buscam e só alguns te acham. Alguns
te acham e te perdem.
Outros te acham e não te reconhecem
e há os que se perdem por te achar,
ó desatino
ó verdade, ó fome
de vida!
O amor é difícil
mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
E estamos na cidade
sob as nuvens e entre as águas azuis.
A cidade. Vista do alto
ela é fabril e imaginária, se entrega inteira
como se estivesse pronta.
Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade
é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém.
Mas vista
de perto,
revela o seu túrbido presente, sua
carnadura de pânico: as
pessoas que vão e vêm
que entram e saem, que passam
sem rir, sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro
sangue urbano
movido a juros.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes
e ruínas . És Antônio?
És Francisco? És Mariana?
Onde escondeste o verde
clarão dos dias? Onde
escondeste a vida
que em teu olhar se apaga mal se acende?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate. Subterraneamente,
a vida bate.
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Turismo em São Paulo bombando

Bombar. Não gosto desta expressão,  mas ela combina com os novos ares das midias eletrônicas, por isso deixei estar no título  assim mesmo. Li com surpresa na Folha Online que o turismo em São Paulo está em franco crescimento. Veja a manchete:


1/01/2010 - 07h58

Turismo cresce em SP, que vira bola da vez nos guias de viagem

PRISCILA PASTRE-ROSSI
da Folha de S.Paulo
O número de turistas na cidade de São Paulo teve um salto de 37,8% entre 2004 e 2009. No ano passado, 11,3 milhões de visitantes estiveram na capital, que no próximo dia 25 vai comemorar seus 456 anos.
Os números são do Observatório do Turismo, o núcleo de estudos e pesquisas da SPTuris. E, antenados, os guias publicados no exterior já tratam a cidade com mais respeito.
Quando visitar SP, use colírio e evite "ressacão", dizem guias
São Paulo é melhor capital para turista, diz pesquisa nacional
Em SP, Metrô tem passeio guiado por centro e avenida Paulista
Caderno de Turismo destaca carnaval e analisa guias sobre SP
Juliana Moraes/Folha
Mercado Municipal de São Paulo, localizado na região central, é um dos principais pontos turísticos da capital paulista
Mercado Municipal de São Paulo, localizado na região central, é um dos principais pontos turísticos da capital paulista
"Wallpaper City Guide São Paulo" recomenda aos leitores que a cidade seja descoberta antes de ser invadida por uma horda de turistas. Terminam o texto de apresentação com um enfático: "Vá logo".
Nos bairros que mais aparecem nas páginas dos guias, caso de Jardins e Vila Madalena, não é mais tão raro esbarrar com gente de fora que não esteja apenas de passagem para uma reunião de negócios. Vira e mexe eles estão por aí, tentando encontrar a caipirinha em bares e restaurantes que raramente têm a oferecer o cardápio traduzido para o inglês.
Revisitando São Paulo
Para avaliar o que os estrangeiros leem sobre São Paulo em edições recentes de guias de turismo editados no exterior, o que os atrai à capital paulista e o que eles são levados a conhecer, a Folha, neste caderno de Turismo (íntegra disponível para assinantes do UOL e do jornal), reuniu alguns deles.

É claro que a matéria tem a ver com o interesse editorial da Folha de vender um título  da Livraria da Folha, com direito a promoção, por apenas R$ 18,32. Tem a foto acima, com legenda dando conta  de que o Mercado da Cantareira é um dos principais pontos turísticos.
Bonito na foto -  sim, mas para chegar lá é melhor tapar o nariz. Em dias de calor, o Tamanduateí - que empurra o esgoto de milhões para o Tietê - é putrefação só. Bolhas de azoto rompem a turbidez das águas  para explodir na superfície, tingida de óleos que refletem a luz do sol. Não há nada de belo nisso! Digamos que a fachada, os vitrais escolhidos por Ramos de Azevedo, quando da inauguração em 1933. O mercadão em si é lindo, desde que um fotoshop pudesse descartá-lo da sua vizinhança. Não combina. O turista vai chegar de carro. Vai ver o nada deslumbrante trânsito caótico do centro. Avenida do Estado, suja, entupida em seus semáforos demorados. Caminhões em excesso. Carros em excesso, motocicletas, em velocidade incompatível. Vendedores ambulantes no pouco espaço que sobra entre os carros. Essa é paisagem. Não há estacionamento. O interno do mercadão - de responsabilidade dos permissionários -  não dá conta do volume - principalmente aos sábados. A zona azul de fora, nem falar. Os particulares cobram um absurdo. É por isso que os vendedores do mercadão costumam colocar imã de geladeira, junto com a mercadoria, e o alerta que entregam em casa as compras feitas por telefone. Tudo para não perder a clientela. Ainda nas cercanias do mercadão, prédios degradados, pouco valorizados em suas fachadas. O tempo foi impiedoso com o glamour das construções de outrora. Aquela região desde o tempo em que a prefeita Erundina mudou o gabinete para o Palácio das Indústrias merecia uma requalificação absoluta. Infelizmente, a prefeita seguinte - aquela do projeto belezura - conseguiu se mudar para o Vale do Anhangabaú, deixando o velho prédio da Rua da Figueira a sua própria sorte.
As cabeças mudam na administração, mas o desrespeito com os nossos símbolos e a história de uma cidade continuam inalterados.
Saudações Machadianas

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Bicicleta em São Paulo, nem pensar




Notícia publicada nos jornais de São Paulo dá conta de que a capital deve  ganhar mais 45 quilômetros de ciclovias.  Serão  quatro novos circuitos, aumentando  em cinco vezes a rede de ciclovias e ciclofaixas.  Aliás, nem tenho bicicleta, mas aquela ciclofaixa montada na Juscelino, ligando o Parque do Povo ao Ibirapuera, é de doer. Primeiro - só funciona aos domingos, das 7h às 14 horas. Uma faixa da pista para carros é sinalizada e fica exclusiva para bicicletas. Com todo respeito ao secretário do Verde e do Meio Ambiente, mas essa  é do tipo de ideia que se sublima numa próxima administração. Imagine pagar hora extra para os marronzinhos trabalharem aos domingos sinalizando - e eventualmente - multando quem não respeita o ciclista? Quem paga é o banco do Planeta - o Bradesco... mas sem o patrocínio, adeus  ciclofaixa.
São Paulo -- como outras cidades mundo afora -- precisa de ciclovias permanentes e não  só para o lazer de quem mora nos jardins e, no fim de semana, quer dar uma pedalada pela vizinhança. Outros ares além das ciclovias já instaladas nos parques. Que vergonha! Só o gasto para montar a operação ciclofaixa daria para construir e manter decentemente quantos quilômetros de ciclovia de verdade? Daquelas que deveriam por lei municipal serem construídas aos longo das novas avenidas da cidade. Com a palavra o secretário Eduardo Jorge. Hoje é uma esculhambação. Bicicleta não tem vez.
O ciclista é achincalhado em meio a multidão de carros nas ruas. Vejo ciclista na marginal e penso que o desgraçado está querendo virar notícia. Aqui ainda se distingue a bicicleta - condução de trabalhador pobre e que mora nos bairros distantes - de bike - ferramenta de status e que serve para a prática de exercícios fisicos. Essa ciclofaixa não é como um pré-metrô, que vem para criar um circuito, gerar demanda e justificar um investimento num eixo definitivo. É brincadeira! Não há trabalhadores de bicicletas na ciclofaixa - só bikers... O prefeito de São Paulo - que prefere a cidade vista das alturas - não percebe que além da falta de educação e segurança viária para o ciclista, não há pista para andar de bicicleta nesta cidade. Buracos, buracos e mais buracos. Tampas de bueiro desniveladas, valetas, lombadas, guias malfeitas, sarjetas fraturadas. Se um dia ele tivesse a coragem de pegar uma bike e ir de sua casa até o gabinete de trabalho, com certeza iria tratar de melhorar o leito carroçável que- por ironia - parece que é do tempo das diligências. Segundo a CET, a cidade tem pouco mais de 10 km de ciclovias. Pouco, muito pouco mesmo.
Talvez seja este um dos motivos que fazem  57 por cento dos paulistanos odiarem a cidade onde moram. Um vexame...Saudações Machadianas.





sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Escrachar paga a pena?

15 de janeiro do ano do senhor de 2010. Metade das férias. Neste exato momento do merecido descanso do trabalho, trato de criar um blog. Já não era sem tempo. Na verdade, já tenho um, que serve apenas de repositório digital, ou nas nuvens, das matérias que leio e guardo para ler mais tarde, com mais idade, para ver se elas se realizam. Ainda conservo o hábito de guardar recortes ou páginas de jornais e revistas. Vez por outra, roubo meu tesouro amarelecido pelo tempo, das traças e ácaros, e deito os olhos sobre notícias perdidas na vastidão dos dias, meses e anos. A paginação é outra. Os fios entre as colunas já foram superados. O esforço de tornar conciso um texto de muitas ideias com poucas palavras. Oh, esse é o inferno dos jornalistas! A gente recorta um pedaço do mundo. O traduz em palavras, frases, expressões e chega ao cadafalso da redação. Lept, lept, lept. Navalha nele. Sobra um tiquinho de nada. Afora o estilo, quando não se perde o sentido completo. Também há, reconheço de pronto, os grandes editores que melhoram o mundo confuso dos repórteres sem ideias claras e distintas -Mas esses são cada vez mais raros em ambientes de redação. Já trabalhei com uma plêiade deles. Sou jornalista de televisão e aprendi que nesta mídia se fala sem palavras. Com imagens, que valem por mil palavras. Mas as imagens são traiçoeiras. Sobre elas, se pode falar o que quiser. Interpretar. Hoje o que mais se vê nos jornais diários das Tvs abertas é um tipo de jornalismo distante do lugar dos fatos. O editor escreve sobre o que vê na imagem - isso é dispensável, porque, do outro lado da tela, todos podem fazê-lo sem a mediação. Fica de fora a informação preciosa, o detalhe e é no detalhe que mora o diabo. Quem é aquele sujeito com água até o joelho no jardim Pantanal? Diz a voz em "off": Esse homem não esperou a água baixar e saiu caminhando em meio ao alagamento. Para o repórter - testemunha ocular dos fatos, o homem é o Mané das couves, figura típica, que ajudou a erguer na marra o bairro que escolheu para morar num tempo em que não havia nada por perto. Nem vizinhos, só mato. Mato e cobra, que ele matava mais por diversão que por medo. Mané é um forte. Não arreda pé deste lugar, porque ele não tem outro. Falta alguém dizer para ele, que não se pode morar na beira do rio. O rio é do rio. A margem é a camisa de força do rio, mas de década em década ele se rebela, e... Para dentro do aguaceiro se vão todos os sonhos construídos, comprados, com o suor do rosto. Deixando a poesia aos poetas e as pautas que se repetem como naquele filme da marmota, O Feitiço do Tempo, (Groundhog Day, 1993), difícil é contar todos os dias a mesma história para o mesmo público e ainda granjear a audiência. Só premiando o distinto público com criatividade e ideias divertidas, mas isso é assunto para um outro post. Saudações machadianas.