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domingo, 5 de janeiro de 2014

Traço atemporal, suplemento Casa Estadão de 5 jan 2014

Perriand sai do papel

A casa de madeira, em formato de ‘U’, foi construída, pela primeira vez, em Miami. Stephane Muratet/Divulgação
Marcelo Lima / O Estado de S.Paulo
Como em quase todas as plantas compactas, os quartos ficam ao lado do banho. Cozinha, sala de jantar e living, na ala oposta. Entre as duas extremidades, uma cobertura de tecido drena a luminosidade. Madeira do piso ao teto, incluindo as paredes. Pitadas de azul aqui e ali. Em tudo afinada com as atuais exigências de funcionalidade, transparência e sustentabilidade, uma casa que parece ter acabado de ser construída. E de fato o foi. Apesar de ter sido projetada em 1934.
Quase oitenta anos depois de ter sido concebida, La maison au bord de l’eau – ou, em livre tradução, A casa à beira d’água –, um dos projetos mais conhecidos da arquiteta e designer francesa Charlotte Perriand, foi finalmente concluída e implantada. Não na sua França natal, como era de se supor. Mas na vibrante South Beach, em Miami, onde chegou vinda da Itália, de navio, praticamente pronta para montar.
Veja mais fotos na galeria abaixo.
“Ela era apaixonada por esse projeto, que, apesar de particularmente importante, jamais havia sido realizado”, comentou a filha de Charlotte, Pernette Perriand Barsac, durante a inauguração da casa, instalada nos fundos do Hotel Raleigh, pela grife de bolsas Louis Vuitton. Uma espécie de tributo a uma das mais influentes personalidades da arquitetura do século 20 (leia mais abaixo), que acabou por se transformar em uma das atrações mais comentadas do roteiro de exposições satélites ao Design Miami, que aconteceu no início de dezembro.
“Trata-se de um projeto pioneiro, no qual construção, interiores e mobiliário são vistos em solução de continuidade. Não mais como elementos desvinculados. Acredito ser essa sua contribuição mais fundamental”, afirmou Pernette, que trabalhou com a mãe por mais de 25 anos e se ocupou de todos os detalhes envolvendo a materialização da casa: da pesquisa das plantas aos interiores.
Concebido como um alojamento de férias, desmontável e de baixo custo, originalmente para um concurso promovido pela revista francesa L’Architecture d’Aujourd’hui – no qual Charlotte ganhou o segundo lugar –, o projeto surpreende por sua atualidade. Em formato de “U”, a construção, de madeira com estrutura de aço inoxidável, se divide em duas alas. Como elemento intermediário, um terraço, coberto com painéis de lona para maximizar a exposição à luz.
Apoiada sobre pilares – o que na versão de Miami foi apenas sugerido –, a estrutura, conforme atestam os originais de Charlotte, deveria abrir espaço para uma garagem e uma área de armazenamento no térreo. Dessa forma, a casa poderia se situar tanto no campo quanto no litoral. “Minha mãe adorava estar ao ar livre. Na montanha ou na praia, mas sempre perto da água”, disse Pernette.
Os interiores, apesar de ultramodernos para a época, remetem a elementos tradicionais da arquitetura japonesa, outra das fixações de Charlotte. “Ela costumava dizer que o importante não era o objeto, mas o homem. Dessa forma, a casa deveria ser discreta e homogênea também por dentro. Como acontece no Japão”, pontuou sua filha.
Assim, na montagem, delicadas molduras com reproduções de desenhos da arquiteta servem de pano fundo para móveis limpos, de carvalho, nogueira e couro, projetados entre 1929 e 1942, especialmente confeccionados pela Louis Vuitton para a exibição. Entre eles, somente a chaise longue Pliante, com assento acolchoado, finalizada em 1939, foi efetivamente produzida e comercializada pelo ateliê da arquiteta. Ainda que apenas em 20 unidades feitas artesanalmente.
Como ela, todas as demais peças foram numeradas e assinadas pela Louis Vuitton, compondo um acervo raro, nunca antes editado. “A abordagem de Charlotte Perriand para a questão da funcionalidade tem uma conexão direta com nosso trabalho”, afirmou Julie de Libran, diretora de criação da grife francesa, que antecipa para o próximo verão uma coleção completa inspirada na arquiteta, que, mais uma vez pioneira, se prepara agora para invadir as vitrines das 468 butiques Vuitton ao redor do mundo.


Pesquisadora da arte de viver
Arquiteta e designer, a francesa Charlotte Perriand (1903-1999) dedicou sua vida a pesquisar uma “arte de viver” em sintonia com seu tempo. Discípula de Le Corbusier, foi desde sempre interessada nas questões de seu tempo, como a habitação, o projeto de equipamentos coletivos e a busca de um habitat mais funcional. Uma das primeiras mulheres a trabalhar como arquiteta, designer e planejadora, integrou a equipe de projeto no estúdio dos modernistas Corbusier e Pierre Jeanneret, tendo colaborado no projeto de diversos móveis icônicos. Sua criação mais célebre, a chaise longue LC4, por exemplo, originalmente revestida com couro de cabra, foi reeditada pela italiana Cassina especialmente para a semana de design de Miami, em dezembro passado, com novo figurino, de lona e couro.

Chaise Longue LC4, a mais célebre criação de Charlotte Perriand

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