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domingo, 5 de janeiro de 2014

Radical Transformação (inspiração)

Situado em bairro nobre, terrno que abrigava escola de natação sedia agora uma casa de veraneio
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Vista da área de lazer da casa, com piscina e painel de azulejos de Athos Bulcão Foto: Rafaella Netto/Divulgação
Marcelo Lima – O Estado de S. Paulo
Passar horas presos no carro para desfrutar um final de semana fora da capital paulista era algo que definitivamente não estava nos planos daquele jovem casal, com uma filha pequena e já à espera da segunda. Foi quando surgiu a ideia, inusitada, de construir uma casa de veraneio não nos arredores, mas em plena cidade. Mais especificamente, a menos de um quilômetro de distância do apartamento onde vive a família, no Jardim Europa. E não é que deu certo?
“Eles resolveram radicalizar. Ir para o local a pé, sem a necessidade de tirar o carro da garagem”, conta a arquiteta Clara Reynaldo, do escritório CR2 Arquitetura, uma das responsáveis por transformar em realidade o sonho do casal, que tinha acabado de adquirir uma pequena propriedade na região: uma casa bastante deteriorada, antiga sede de uma escola de natação, encontrada em condições tão precárias, a ponto de inviabilizar qualquer tentativa de reforma.
“Além de não se ajustar ao programa de uma habitação contemporânea, a casa ocupava praticamente 100% do terreno e não oferecia nenhuma área verde. Não tivemos outra escolha a não ser demolir”, conta Clara, para quem o fato de se operar em um terreno tão estreito e de dimensões tão reduzidas já impunha uma série de limitações construtivas. A começar pela própria montagem do canteiro.
“Em áreas pequenas como esta, preferimos construir com estruturas metálicas. Da armazenagem à instalação, tudo fica facilitado. As vigas e os pilares já chegam prontos à obra e podem ser montados em poucos dias. Ao contrário do concreto, que precisa ser moldado in loco, requer espaço para ser manuseado e demanda tempo de desforma.”
Feitas as contas, não restam dúvidas que o tempo de obra foi amplamente beneficiado pelo sistema construtivo adotado. Com duas suítes, cozinha integrada ao estar e lounge externo, a casa, totalizando 185 m², – ou 213 m², se consideradas as varandas – foi concluída no prazo recorde de sete meses. O andar térreo concentrando as dependências de lazer. O superior, a área íntima, incluindo os quartos de hóspedes.
Nos dois pavimentos, integrar visual e espacialmente a construção a seu entorno por meio de grandes vãos, caixilhos e painéis de vidro se transformou na principal preocupação do escritório. No primeiro andar, as varandas se abrem totalmente para o ambiente externo, protegidas da incidência do sol por meio de pergolados. Ora, com vista para o jardim interno. Ora, paras as copas das árvores da rua. “Eles queriam contar com uma casa compacta, com espaços flexíveis e, de preferência, construída em área menor do que a permitida, ampliando as possibilidades de lazer ao ar livre. Os revestimentos deveriam ser de fácil limpeza, comportar crianças correndo molhadas e, na medida do possível proporcionar um certo aconchego”, afirma ela.
Daí a opção pela madeira, elemento que aparece em contraposição ao branco. “Isso tudo, sem esquecer que o imóvel deveria estar apto a funcionar como moradia permanente, caso eles decidissem vendê-lo”, pontua Cecilia Reichstul, parceira de Clara no projeto.
Da mesma forma, a área externa, assinada pelo paisagista Rodrigo Oliveira recebeu deck e piscina de raia única. Nada mais do que isso, diante da exigência dos proprietários de poupar espaço. “Para eles era importante contar com a maior área livre possível. Acredito que esta situação é o que mais diferencia a casa do apartamento onde eles vivem. É o que mais os faz sentir fora da cidade ” arrisca a arquiteta.
Espécie de menina dos olhos da dona do imóvel, um painel de azulejos azuis e brancos ocupa toda a extensão da parede lateral à piscina. “Definimos o desenho em conjunto com ela. Como ex-moradora de Brasília, ela cresceu em contato com as obras do artista. Para nós também não deixou de ser motivo de grande satisfação, afinal, é também uma homenagem à arquitetura modernista, que admiramos tanto”.

Traço atemporal, suplemento Casa Estadão de 5 jan 2014

Perriand sai do papel

A casa de madeira, em formato de ‘U’, foi construída, pela primeira vez, em Miami. Stephane Muratet/Divulgação
Marcelo Lima / O Estado de S.Paulo
Como em quase todas as plantas compactas, os quartos ficam ao lado do banho. Cozinha, sala de jantar e living, na ala oposta. Entre as duas extremidades, uma cobertura de tecido drena a luminosidade. Madeira do piso ao teto, incluindo as paredes. Pitadas de azul aqui e ali. Em tudo afinada com as atuais exigências de funcionalidade, transparência e sustentabilidade, uma casa que parece ter acabado de ser construída. E de fato o foi. Apesar de ter sido projetada em 1934.
Quase oitenta anos depois de ter sido concebida, La maison au bord de l’eau – ou, em livre tradução, A casa à beira d’água –, um dos projetos mais conhecidos da arquiteta e designer francesa Charlotte Perriand, foi finalmente concluída e implantada. Não na sua França natal, como era de se supor. Mas na vibrante South Beach, em Miami, onde chegou vinda da Itália, de navio, praticamente pronta para montar.
Veja mais fotos na galeria abaixo.
“Ela era apaixonada por esse projeto, que, apesar de particularmente importante, jamais havia sido realizado”, comentou a filha de Charlotte, Pernette Perriand Barsac, durante a inauguração da casa, instalada nos fundos do Hotel Raleigh, pela grife de bolsas Louis Vuitton. Uma espécie de tributo a uma das mais influentes personalidades da arquitetura do século 20 (leia mais abaixo), que acabou por se transformar em uma das atrações mais comentadas do roteiro de exposições satélites ao Design Miami, que aconteceu no início de dezembro.
“Trata-se de um projeto pioneiro, no qual construção, interiores e mobiliário são vistos em solução de continuidade. Não mais como elementos desvinculados. Acredito ser essa sua contribuição mais fundamental”, afirmou Pernette, que trabalhou com a mãe por mais de 25 anos e se ocupou de todos os detalhes envolvendo a materialização da casa: da pesquisa das plantas aos interiores.
Concebido como um alojamento de férias, desmontável e de baixo custo, originalmente para um concurso promovido pela revista francesa L’Architecture d’Aujourd’hui – no qual Charlotte ganhou o segundo lugar –, o projeto surpreende por sua atualidade. Em formato de “U”, a construção, de madeira com estrutura de aço inoxidável, se divide em duas alas. Como elemento intermediário, um terraço, coberto com painéis de lona para maximizar a exposição à luz.
Apoiada sobre pilares – o que na versão de Miami foi apenas sugerido –, a estrutura, conforme atestam os originais de Charlotte, deveria abrir espaço para uma garagem e uma área de armazenamento no térreo. Dessa forma, a casa poderia se situar tanto no campo quanto no litoral. “Minha mãe adorava estar ao ar livre. Na montanha ou na praia, mas sempre perto da água”, disse Pernette.
Os interiores, apesar de ultramodernos para a época, remetem a elementos tradicionais da arquitetura japonesa, outra das fixações de Charlotte. “Ela costumava dizer que o importante não era o objeto, mas o homem. Dessa forma, a casa deveria ser discreta e homogênea também por dentro. Como acontece no Japão”, pontuou sua filha.
Assim, na montagem, delicadas molduras com reproduções de desenhos da arquiteta servem de pano fundo para móveis limpos, de carvalho, nogueira e couro, projetados entre 1929 e 1942, especialmente confeccionados pela Louis Vuitton para a exibição. Entre eles, somente a chaise longue Pliante, com assento acolchoado, finalizada em 1939, foi efetivamente produzida e comercializada pelo ateliê da arquiteta. Ainda que apenas em 20 unidades feitas artesanalmente.
Como ela, todas as demais peças foram numeradas e assinadas pela Louis Vuitton, compondo um acervo raro, nunca antes editado. “A abordagem de Charlotte Perriand para a questão da funcionalidade tem uma conexão direta com nosso trabalho”, afirmou Julie de Libran, diretora de criação da grife francesa, que antecipa para o próximo verão uma coleção completa inspirada na arquiteta, que, mais uma vez pioneira, se prepara agora para invadir as vitrines das 468 butiques Vuitton ao redor do mundo.


Pesquisadora da arte de viver
Arquiteta e designer, a francesa Charlotte Perriand (1903-1999) dedicou sua vida a pesquisar uma “arte de viver” em sintonia com seu tempo. Discípula de Le Corbusier, foi desde sempre interessada nas questões de seu tempo, como a habitação, o projeto de equipamentos coletivos e a busca de um habitat mais funcional. Uma das primeiras mulheres a trabalhar como arquiteta, designer e planejadora, integrou a equipe de projeto no estúdio dos modernistas Corbusier e Pierre Jeanneret, tendo colaborado no projeto de diversos móveis icônicos. Sua criação mais célebre, a chaise longue LC4, por exemplo, originalmente revestida com couro de cabra, foi reeditada pela italiana Cassina especialmente para a semana de design de Miami, em dezembro passado, com novo figurino, de lona e couro.

Chaise Longue LC4, a mais célebre criação de Charlotte Perriand